Feche os olhos e pense em tubarões. Provavelmente, você imaginou cenas de “Tubarão”, ataques sangrentos, especiais exagerados da Semana do Tubarão ou até mesmo “Sharknado”. No Ocidente, os tubarões ganharam uma reputação unidimensional. Contudo, enquanto nossa imaginação moderna enxerga essas criaturas quase exclusivamente como seres aterrorizantes, a história e mitologia que os cercam são muito mais ricas e complexas. Em várias culturas, os tubarões fazem parte do folclore há séculos.
Dean Crawford, em seu livro Shark, escreve: “Nenhum outro animal provoca tanta fascinação e medo quanto o tubarão.” Neste livro, ele explora alguns dos mitos em torno desse predador poderoso em diferentes partes do mundo.
Mitos sobre tubarões nas culturas insulares
Não é surpreendente que as culturas com mais mitos sobre tubarões sejam aquelas das regiões insulares, cercadas por água. Nas Ilhas Marshall, por exemplo, cada tribo possuía seus próprios tubarões sagrados. Segundo Crawford, se alguém desrespeitasse o tubarão de outra tribo, era necessário pedir desculpas — ou até enfrentar uma guerra.
Nas Ilhas Salomão, acreditava-se que os tubarões poderiam ser apaziguados por meio de sacrifícios humanos.
A complexa mitologia dos tubarões no Havaí
Os havaianos possuíam uma das mitologias mais complexas sobre os tubarões. Eles os veneravam como deuses, e tinham nove divindades tubarões com nomes específicos. Entre eles, destacam-se Ka’ahupahau e seu irmão Kahi’uka. Ambos foram humanos em algum momento, e Ka’ahupahau era conhecida por habitar perto do que hoje é Pearl Harbor.
Lista de deuses tubarões no Havaí:
- Ka’ahupahau: protetora das águas e conhecida por sua sabedoria
- Kahi’uka: irmão de Ka’ahupahau, com habilidades extraordinárias
- Outros sete deuses tubarões, reverenciados por seus poderes específicos
Lendas havaianas e as mudanças na relação com os tubarões
Em uma história havaiana, Ka’ahupahau ordenou que uma garota local fosse sequestrada e morta após ela exigir o lei (colares de flores) que estava sendo oferecido à deusa. No entanto, ao perceber que a garota realmente morreu, Ka’ahupahau lamentou sua decisão precipitada. Para reparar seu erro, declarou que os tubarões nunca deveriam atacar seres humanos na região de Pearl Harbor. Da mesma forma, os habitantes das Ilhas Salomão acreditavam em tubarões bons, que protegiam os pescadores e nadadores.
Tubarões como ancestrais espirituais
Para o povo de Papua Nova Guiné, os tubarões eram vistos como encarnações dos antepassados. Já entre os Tlingit, que vivem na Colúmbia Britânica, existe uma lenda sobre uma mulher que se transformou em tubarão após ser raptada por um deles. Ao estudar essas lendas e crenças, fica claro que, em muitas culturas ao redor do mundo, os tubarões não eram vistos como criaturas de medo universal, mas como entidades espirituais, com quem as pessoas mantinham uma conexão única.
Mitologia grega e os tubarões lamnídeos
Os mitos sobre tubarões também têm seu lado sombrio. Um mito grego, que envolve uma rainha atormentada, é a base do nome dos tubarões lamnídeos, um grupo de tubarões que inclui o grande tubarão-branco.
Lendas mais sombrias sobre tubarões
Algumas culturas associam os tubarões a histórias mais aterrorizantes. Um grupo aborígene australiano chamado Songlines acreditava em um tubarão-tigre gigante conhecido como Bangudya. Eles acreditavam que as rochas da Ilha Chasm tinham uma cor avermelhada porque Bangudya atacou uma criatura mítica que era metade golfinho, metade homem.
No Japão, havia o deus chamado “homem-tubarão”, que podia transformar vento e chuva em tufões violentos. Os habitantes das Ilhas Salomão, além de suas crenças em tubarões protetores, também acreditavam que esses animais podiam ser acalmados com sacrifícios humanos, frequentemente lançando vítimas, vivas ou mortas, em águas conhecidas por abrigar tubarões.
Os tubarões na mitologia grega
Embora menos conhecidos, os tubarões também desempenham um papel na mitologia grega. Uma das incontáveis mulheres perseguidas por Zeus foi a rainha líbia Lamia. Hera, esposa de Zeus, tomada pelo ciúme, roubou os filhos de Lamia com Zeus, o que a levou à loucura. Lamia acabou se transformando em um demônio tubarão que tentava roubar os filhos de outras pessoas. O nome dela, inclusive, serviu de base para o nome dos tubarões lamnídeos, que incluem o famoso tubarão-branco.
A evolução da percepção sobre os tubarões no Ocidente
A percepção moderna sobre os tubarões, especialmente no Ocidente, passou por uma transformação. Embora o medo contemporâneo desses animais não seja completamente sem fundamento, ele é, em grande parte, exagerado. Um exemplo que ajudou a alimentar esse medo foi o naufrágio do USS Indianapolis. Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, o navio foi atingido por torpedos no Pacífico, resultando na morte de 300 pessoas. No entanto, os 900 sobreviventes não estavam em situação muito melhor, pois ficaram à deriva em botes salva-vidas, sendo atacados por tubarões por vários dias. Esse evento trágico foi a maior perda de vidas no mar para a Marinha dos EUA, e os jornais da época certamente amplificaram o medo dos tubarões.
Nas décadas seguintes, os tubarões passaram a ser vilões populares na ficção, especialmente após o lançamento do icônico filme de Steven Spielberg, “Tubarão”, que se tornou um sucesso de bilheteria e marcou o imaginário coletivo sobre esses animais.
A verdade sobre os tubarões e seu papel no ecossistema
O medo dos tubarões ignora uma verdade mais ampla: nem todos os tubarões são predadores vorazes à espreita. Na verdade, eles são essenciais para o equilíbrio do ecossistema oceânico e preferem se alimentar de peixes, e não de seres humanos. Nos Estados Unidos, cerca de uma pessoa por ano morre em decorrência de ataques de tubarões. Em contrapartida, os humanos matam 100 milhões de tubarões por ano.
A narrativa errônea sobre os tubarões
É lamentável que a narrativa de tubarões como feras sanguinárias seja a que prevaleça, enquanto a mitologia rica e o respeito que esses animais recebiam no passado sejam esquecidos. No lugar disso, o foco recai em filmes e histórias que simplificam os tubarões como monstros sedentos por sangue, distanciando-os de sua verdadeira complexidade como criaturas do oceano.
Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.theverge.com/2017/7/26/15998676/sharks-myths-history-culture
André Pimenta é um apaixonado por mitologia, folclore e histórias e estórias fantásticas. Contribuidor dedicado do Portal dos Mitos. Com uma abordagem detalhista, ele explora e compartilha os mistérios das lendas sobre seres e criaturas fantásticas do Brasil e do mundo.