Por que os Mitos Nórdicos Antigos Persistem na Cultura Popular

Desde as óperas de Wagner e os romances de William Morris no final do século XIX, passando pelos anões de Tolkien e A Última Batalha de C.S. Lewis, até o polêmico filme O Homem do Norte do ano passado, os deuses e heróis escandinavos continuam no centro das histórias que contamos.

A Fascinação pelos Mitos Nórdicos

A jornada da professora de literatura medieval europeia Carolyne Larrington com a mitologia nórdica antiga teve início ainda na graduação. Desde o início, ela se encantou pela forma como esses mitos antigos continuam vivos e relevantes, especialmente com sua crescente influência na cultura pop. Em seu livro, Os Mitos Nórdicos que Moldam Nosso Pensamento, ela explora como 10 narrativas-chave da mitologia nórdica foram reinterpretadas ao longo dos últimos 200 anos.

Embora essas histórias já exercessem influência desde sua redescoberta na Europa do século XVII, sua presença cultural explodiu nos últimos tempos. Filmes de Hollywood, álbuns de rock, óperas, videogames e séries de TV são apenas alguns dos meios que têm aproveitado o poder narrativo dessas lendas. A seguir, o foco será em três dos deuses mais importantes, na força feminina representada por valquírias e guerreiras, e, por fim, na ameaça iminente do Ragnarök – o fim do mundo.

Deuses e Monstros: Masculinidade e Ambiguidade nos Mitos Nórdicos

Os principais deuses nórdicos – infelizmente, em menor destaque as deusas – oferecem diferentes perspectivas sobre as fases da masculinidade. Odin, o “pai de todos”, lidera o panteão nórdico, é o criador da humanidade e o deus da sabedoria. Seu destino, no entanto, é trágico: ele será devorado pelo grande lobo Fenrir durante o Ragnarök, o apocalipse nórdico.

Odin: O Líder que Perde o Controle

Odin é frequentemente retratado como uma figura que luta para manter sua autoridade em declínio. Na ópera Das Rheingold, primeira parte do Ciclo do Anel de Wagner, no épico moderno Deuses Americanos de Neil Gaiman e no romance cômico O Lamento da Alma de Douglas Adams, Odin simboliza o líder que sente o poder escapando de suas mãos. Astuto e inescrupuloso, ele faz acordos duvidosos e manipula até seus próprios filhos para se agarrar ao que resta de sua influência.

No universo cinematográfico da Marvel, Odin já foi eliminado, representando um princípio patriarcal antigo que resiste em ceder espaço à próxima geração. Ele encarna uma masculinidade arcaica, marcada pela autoridade inabalável e pela recusa em mudar.

Thor: Força Bruta e Evolução

Thor, com seu poderoso martelo Mjöllnir, é o protetor das fronteiras entre os territórios dos deuses e dos humanos, repelindo gigantes e inimigos. Embora indomável e cheio de feitos heroicos, ele nem sempre é levado a sério nos mitos. Uma das histórias mais populares envolve Thor sendo obrigado a se vestir como noiva em uma situação cômica de disfarce.

Na cultura contemporânea, Thor muitas vezes é representado como um brutamontes desajeitado, que prefere usar o martelo em vez de pensar antes de agir. Autoras como Joanne Harris e Francesca Simon transformam Thor em motivo de piada para jovens leitores, aproveitando sua história de “noiva relutante” para criar comédia.

Por outro lado, a versão do Thor da Marvel resgata sua imagem. Ele aprende a maturidade, desenvolvendo um senso de responsabilidade, cuidado com os humanos e com os semideuses de Asgard. Esse Thor moderno representa uma nova masculinidade, que reconhece que a violência nem sempre é a solução e valoriza a reflexão e o comprometimento.

Loki: Ambiguidade e Transformação

Meio deus, meio gigante, Loki é uma figura enigmática e ambígua. No universo da Marvel, ele é o irmão adotivo de Thor, embora isso não aconteça na mitologia original. Loki é um solucionador de problemas para os deuses, mas, ironicamente, ele frequentemente cria as confusões que resolve. Contudo, seu papel no Ragnarök é sombrio: ele liderará os inimigos contra os deuses.

Para a escritora A.S. Byatt, Loki é o deus dos intelectuais: questionador, inconformista e difícil de prever. Nas versões da Marvel e Disney, ele se transforma em um herói cult, fluido em sua identidade e sempre pronto para uma reviravolta sarcástica ou uma traição a Thor. Seu caráter volátil e subversivo faz de Loki uma figura complexa e irresistível na cultura pop moderna.

Uma Perspectiva Feminina: O Papel das Mulheres nos Mitos Nórdicos

Loki, além de ser uma figura ambígua e engenhosa, também é pai de monstros. Entre seus filhos está Hel, a deusa da morte. Na ópera de câmara The Monstrous Child (2019), de Gavin Higgins e Francesca Simon, Hel é retratada como uma adolescente ousada, vivendo com uma deficiência e confinada a um submundo sombrio. Sua história é uma mistura de amor, vingança e a descoberta do verdadeiro alcance de seus poderes.

Valquírias: Guerreiras e Deusas do Destino

As valquírias, uma fusão de guerreiras e deusas do destino, sobrevoam os campos de batalha, decidindo quem vive e quem morre. A mais icônica delas é Brünnhilde, de Wagner, verdadeira heroína do Ciclo do Anel. Brünnhilde cumpre a vontade de seu pai, Wotan, e eventualmente traz o fim dos próprios deuses.

Na cultura popular, as valquírias também são retratadas como mulheres treinadas para o combate, como nas séries VikingsThe Last Kingdom. Essas guerreiras, tão habilidosas quanto os homens, simbolizam aspectos da feminilidade contemporânea: atuam em espaços tradicionalmente masculinos, exercem poder e escolhem seus próprios parceiros, enquanto enfrentam os desafios de equilibrar relacionamentos e maternidade com suas identidades profissionais.

Ragnarök: O Crepúsculo dos Deuses

Literalmente “o destino dos deuses”, o Ragnarök representa o apocalipse tanto para os deuses quanto para os humanos. Forças de gelo e fogo destroem a Terra, encerrando o mundo como conhecemos. J.R.R. Tolkien sugeriu que essa perspectiva inevitável molda o espírito nórdico, estimulando coragem e resignação diante do destino certo.

Para Wagner, o Götterdämmerung (Crepúsculo dos Deuses) simboliza o colapso de uma ordem divina corrupta, deixando um mundo purificado onde os seres humanos poderiam reconstruir algo novo. Em Game of Thrones, da HBO, o confronto apocalíptico da humanidade contra o Rei da Noite é resolvido pela coragem e determinação de uma jovem mulher, ecoando a força das heroínas nórdicas.

Reflexões Finais: O Ragnarök e Nós

Os mitos nórdicos imaginam um mundo verde e renovado emergindo do oceano após o Ragnarök. Contudo, o cataclismo climático que enfrentamos atualmente não oferece garantias de tal renascimento. Talvez possamos aprender com a negligência e a falta de compromisso dos deuses para evitar o destino sombrio que o Ragnarök prenuncia, buscando soluções antes que seja tarde demais.

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://theconversation.com/why-old-norse-myths-endure-in-popular-culture-200891

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