A Era Viking, que marcou um período de grande expansão escandinava entre o final do século VIII e o final do século XI, é frequentemente associada a invasões violentas e batalhas. No entanto, os vikings eram um povo muito mais complexo do que essa imagem sugere. Altamente civilizados, eles valorizavam profundamente as artes, especialmente a arte de contar histórias.
As Histórias Favoritas dos Vikings
As narrativas preferidas dos vikings abrangiam mitos, lendas heroicas, contos populares e histórias sobre famílias e comunidades locais. Essas histórias eram transmitidas oralmente, muitas vezes por meio de poemas narrativos elaborados, que preservavam detalhes e emoções das tradições nórdicas.
Com o passar do tempo, essas narrativas foram passadas de geração em geração até serem registradas por escrito no século XIII, principalmente por estudiosos islandeses. Entre as principais obras desse período estão a Edda em Prosa e a Edda Poética. Esses textos formam hoje a base do que conhecemos sobre os mitos e lendas nórdicas, além dos próprios deuses dessa mitologia. Outras obras importantes são as Sagas, que supostamente se baseiam em histórias reais de pessoas que viveram na Era Viking.
Explorando as Lendas
Rosalind Kerven, autora de Viking Myths & Sagas: Retold from Ancient Norse Texts, mergulha em algumas das histórias mais memoráveis dessa rica tradição. Vamos explorar essas fascinantes narrativas e entender como elas moldaram a cultura e o imaginário viking.
A Maldição do Anel de Andvari
Essa épica vibrante foi uma das inspirações para O Senhor dos Anéis de Tolkien. Na verdade, trata-se de duas lendas distintas, conectadas por um anel sobrenatural que traz tragédia brutal a todos os que o possuem. A história inclui um elenco fascinante: guerreiros heroicos, vilões cruéis, três deuses, um anão, uma valquíria, um dragão, uma rainha-bruxa, o infame tirano Átila, o Huno, e outra rainha que o destrói sozinha.
Repleta de assassinatos horrendos (como a famosa cena onde alguém é suspenso sobre um poço cheio de cobras venenosas), suicídios dramáticos, traições e corações partidos, a trama é intensa e emocionante. Elementos mágicos como fogo encantado, tesouros escondidos e pássaros que falam tornam a narrativa ainda mais fascinante.
Essa lenda era uma das favoritas dos vikings, sendo mencionada em várias fontes antigas. Além disso, cenas dessa história aparecem em esculturas vikingas preservadas na Inglaterra, Ilha de Man, Noruega e Suécia.
O Roubo do Martelo de Thor
Na mitologia pagã viking, os deuses viviam em conflito eterno com seus inimigos mortais, os gigantes. Entre os deuses, Thor era o principal “caçador de gigantes”, conhecido por usar seu martelo mágico, Mjolnir, para esmagar os crânios dessas criaturas e proteger tanto os deuses quanto os humanos. Esse conto curto e humorístico é um ótimo exemplo de suas aventuras.
Mjolnir é roubado por um gigante que só aceita devolvê-lo se a bela deusa Freyja concordar em casar-se com ele. Em uma jogada inesperada, Thor se disfarça de noiva – um ato ousado em uma sociedade que considerava o travestimento uma afronta à masculinidade. Ele vai até a terra dos gigantes, finge participar do casamento e, no momento certo, recupera o martelo e derrota o gigante com um único golpe.
A popularidade de Thor na Era Viking é evidente em muitos templos pagãos dedicados a ele, nos numerosos pingentes em forma de martelo descobertos por arqueólogos, e nos nomes das Sagas que incluem “Thor”, como “Thorunn” para mulheres e “Thorstein” para homens.
Odin e as Runas
Odin, o deus misterioso e onisciente da guerra, sabedoria, morte e destino, era amplamente respeitado durante a era pagã. Sacrifícios eram frequentemente feitos a ele, especialmente em tempos de conflito. Mas Odin também inspirava medo, pois costumava vagar pelo mundo humano disfarçado, interferindo em eventos e alterando os rumos de batalhas.
Essa história mística conecta Odin às runas, o único sistema de escrita dos vikings na era pagã. As runas eram entalhadas em madeira, pedra, metal ou osso. O mito aparece em 25 versos enigmáticos do poema Hávamál (“Os Ditados do Altíssimo”), possivelmente datado do século IX.
Segundo a lenda, Odin sacrificou “a si mesmo para si mesmo”, pendurando-se de cabeça para baixo em uma árvore solitária por nove noites. No final, ele teve uma visão das runas e descobriu os segredos de muitos feitiços esotéricos.
Embora a maioria das histórias vikings seja pragmática, essa narrativa demonstra o lado profundamente espiritual e místico da antiga religião pagã.
Um Triângulo Amoroso Explosivo: Gudrun, Kjartan e Bolli
Essa trágica história de amor é o eixo central da Laxdaela Saga, escrita no século XIII e provavelmente baseada em pessoas e eventos reais dos séculos X e XI.
Gudrun, uma mulher bela e determinada, passa por uma vida turbulenta, sendo casada duas vezes, divorciada e viúva ainda jovem. Ela se apaixona por Kjartan, um homem carismático, mas o pai dele considera Gudrun uma pessoa azarada e tenta afastá-lo do relacionamento enviando-o em uma expedição comercial para a Noruega.
Durante a longa ausência de Kjartan, que foi mantido refém pelo rei, seu primo e irmão de criação, Bolli, convence uma relutante Gudrun a se casar com ele. Quando Kjartan retorna, Gudrun percebe que cometeu um erro terrível. Esse arrependimento desencadeia uma série de eventos inflamados que culminam com Bolli matando Kjartan, que morre em seus braços, e depois sendo morto como vingança.
Essa saga não é apenas uma história de amor e tragédia, mas também revela aspectos da cultura viking que ecoam até os dias de hoje, como acordos pré-nupciais, divórcios acessíveis, conversões religiosas forçadas e viagens de jovens ao exterior – algo semelhante a um “ano sabático”.
A Descoberta Nórdica da América
Dois manuscritos medievais, a Saga dos Groenlandeses e a Saga de Eirik, relatam que, no início do século XI – 500 anos antes de Colombo – homens e mulheres vikings chegaram à América do Norte. Segundo as narrativas, uma terra desconhecida foi avistada inicialmente por um navio desviado durante uma tempestade. Logo depois, uma série de expedições partiu da colônia viking na Groenlândia para explorá-la.
Seguindo a misteriosa costa rumo ao sul, os exploradores chegaram a uma terra rica e fértil, repleta de caça e madeira. Lá, encontraram uvas selvagens em abundância, batizando a região de Vinland (Terra do Vinho). Um grupo tentou se estabelecer no local, incluindo uma mulher que deu à luz a primeira criança europeia nas Américas. Contudo, conflitos com os povos nativos, chamados depreciativamente de Skraelings pelos vikings, forçaram-nos a abandonar a região.
Por séculos, esses relatos foram vistos com ceticismo. No entanto, na década de 1960, um casal norueguês de exploradores e arqueólogos seguiu as descrições das sagas e chegou a L’Anse aux Meadows, no norte de Newfoundland, Canadá. Lá, descobriram oito casas em estilo viking do século XI, uma forja e quatro oficinas – evidências concretas e emocionantes de que as sagas de Vinland eram verdadeiras.
A Queima de Njal
As sagas vikings revelam que leis e procedimentos jurídicos surpreendentemente complexos desempenhavam um papel importante nas terras nórdicas. Esse é o pano de fundo para outra história, aparentemente verdadeira, registrada na Saga de Njal, que retrata eventos do final do século X.
Njal, um advogado islandês, era famoso por mediar acordos pacíficos, resolvendo longas rivalidades de sangue que frequentemente assolavam as sociedades vikings. Apesar de sua habilidade, ele não consegue impedir que sua esposa, seu melhor amigo e seus filhos se envolvam em disputas fatais.
Eventualmente, Njal também é arrastado para essas vinganças e acaba sendo queimado vivo em sua própria casa – um ato comum de retaliação na época. Essa narrativa longa e impactante é repleta de reviravoltas e serve como um alerta sombrio. Assim como a Laxdaela Saga, ela oferece informações plausíveis sobre a conversão dos nórdicos ao cristianismo.
Amleth: A Inspiração Viking para Hamlet
Se o nome Amleth parece familiar, não é coincidência. Essa lenda dinamarquesa foi uma das principais fontes que inspiraram William Shakespeare ao criar Hamlet. Baseada em personagens reais da realeza viking, a história traz semelhanças marcantes com a peça do dramaturgo inglês.
Assim como em Hamlet, o tio de Amleth assassina seu pai e casa-se com sua mãe. Amleth finge estar louco para lidar com sua situação terrível e é enviado à Inglaterra em uma tentativa frustrada de ser assassinado.
Diferente da versão de Shakespeare, o conto viking não inclui um interesse romântico, e sua trama é menos intrincada. Contudo, há cenas cômicas e jogos de palavras que podem ter influenciado o célebre escritor. Essa lenda, parte conto de fadas e parte história de terror, está ilustrada em carvings vikings na Inglaterra e Suécia.
Volund, o Ourives Príncipe
Volund é uma lenda heroica que mistura romance e horror. O talentoso ourives cria anéis magníficos e, no início melancólico da história, apaixona-se por uma valquíria espirituosa que surge na forma de uma donzela-cisne. Após um breve casamento, ela o abandona para voltar aos campos de batalha, onde recolhe guerreiros mortos para Odin.
Devastado pela perda, Volund é capturado por um rei inimigo que o aprisiona em uma oficina em uma ilha, exigindo que ele se case com sua filha. Volund, no entanto, vinga-se de maneira grotesca: assassina os irmãos da princesa e transforma seus restos em joias macabras que oferece aos seus captores desavisados. Por fim, ele forja asas douradas para si e foge, retomando a busca por sua amada.
Essa história, muito popular no mundo viking, também aparece em poemas anglo-saxões, incluindo Beowulf, demonstrando sua influência além das terras nórdicas.
Grettir, o Fora da Lei
Grettir’s Saga reúne contos folclóricos sobre Grettir, um encrenqueiro do século XI cujas façanhas foram compiladas no século XIV. Grettir, conhecido como “o forte”, era corpulento, violento e mestre em compor poesias ácidas. Ele foi declarado fora da lei várias vezes, perdendo sua propriedade, sendo banido e tendo sua morte autorizada por qualquer pessoa.
Entre suas aventuras épicas, Grettir enfrenta monstros, trolls, fantasmas, um urso e até um grupo inteiro de berserkers. No entanto, sua queda é causada por uma feiticeira idosa, cujos feitiços o condenam a uma morte humilhante.
Ragnarök: O Apocalipse Viking
Como em muitas religiões, o paganismo viking trazia uma visão apocalíptica: o Ragnarök, uma batalha final em que o mundo seria destruído e renasceria em uma nova era.
O cenário é descrito de forma vívida no poema Völuspá (“A Profecia da Vidente”), datado entre os séculos X e XI. A narrativa talvez tenha sido inspirada por sonhos de uma sábia da época.
No Ragnarök, o mundo é tomado pelo horror: congelado, murcho e devastado. Deuses, monstros e gigantes lutam até a destruição completa, levando até Odin e o sol ao fim. No entanto, o poema termina com uma mensagem de esperança: das ruínas do velho mundo surge um novo, prometendo uma era mais perfeita.
Essa visão épica e assombrosa continua a inspirar a imaginação até os dias de hoje.
Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.historyextra.com/period/viking/top-10-viking-stories/
André Pimenta é um apaixonado por mitologia, folclore e histórias e estórias fantásticas. Contribuidor dedicado do Portal dos Mitos. Com uma abordagem detalhista, ele explora e compartilha os mistérios das lendas sobre seres e criaturas fantásticas do Brasil e do mundo.