Passear pelos corredores de um museu de história natural nos transporta para a era dos gigantes: dinossauros gigantes, mamutes gigantes, preguiças gigantes.
No passado, quando as pessoas encontravam fósseis semelhantes erodindo nas encostas ou espalhados pelos pisos de cavernas, elas também viam gigantes. No entanto, até o século XVII, muitas vezes imaginavam que esses gigantes eram pessoas ou criaturas mitológicas.
Cientistas reuniram casos ao redor do mundo, especialmente na Europa, onde alguns ossos de “gigantes” eram mantidos em igrejas como relíquias de um mundo anterior ao dilúvio bíblico. Pesquisadores já conheciam algumas dessas inspirações paleontológicas para mitos e lendas, mas a nova pesquisa, publicada em 26 de junho de 2017 na revista Historical Biology, é uma das análises mais profundas sobre o fenômeno até o momento.
Entre os contos paleontológicos, há casos de crânios de elefantes confundidos com restos de ciclopes no Mediterrâneo e ossos de espadarte interpretados como línguas de dragão, cortadas como troféus por gigantes vitoriosos.
Fósseis e Mitos
O pesquisador Marco Romano, pós-doutorando no Museu de História Natural de Berlim, disse que seu interesse por essas histórias surgiu enquanto lia textos dos séculos XIV ao XIX sobre ideias relacionadas ao Grande Dilúvio. Essa é a famosa história bíblica sobre a inundação de todo o mundo, que teria exterminado toda a vida, exceto aqueles que estavam na famosa arca de Noé.
Depois de ler diversas alegações de autores antigos que afirmavam ter observado pessoalmente ossos de gigantes desenterrados, Romano se uniu a Marco Avanzini, pesquisador do Museu de Ciências de Trento, na Itália, para buscar mais textos sobre o assunto.
Romano também tinha uma conexão pessoal com essa pesquisa. Sua mãe é da Sardenha, na Itália, e seu avô costumava levá-lo para caminhar pelas falésias da ilha, contando histórias sobre ossos de ciclopes encontrados em cavernas. Essas histórias, embora parecessem mitos, tinham uma base histórica. Pastores realmente encontraram ossos nas ilhas da Sardenha e da Sicília que se assemelhavam a grandes crânios com uma única abertura ocular. Foi apenas em 1688 que um cientista chamado Giovanni Giustino Ciampini demonstrou que esses crânios pertenciam a uma espécie extinta de elefante anão, e não a um gigante de um olho só chamado ciclope.
Ao vasculhar textos antigos, Romano e Avanzini encontraram inúmeros exemplos de fósseis usados como prova de uma antiga raça de gigantes semelhantes a humanos. Esses mitos remontam a tempos longínquos: Heródoto, historiador grego que viveu entre 484 e 425 a.C., escreveu que os ossos do gigante mítico Pallas e do herói Orestes (que teria cerca de 3,3 metros de altura) foram descobertos em Roma e Acádia (na Mesopotâmia), respectivamente.
Plínio, o Velho, naturalista romano que viveu entre 23 e 79 d.C., mencionou que os ossos do gigante mitológico Órion foram descobertos em uma montanha aberta na ilha de Creta. Essas descobertas alimentaram os mitos greco-romanos sobre a raça de Titãs gigantes, derrotados pelos deuses do panteão grego e romano, além de reforçar as lendas sobre o tamanho descomunal e a força dos heróis da mitologia.
Contos Exagerados
Outras referências a gigantes aparecem no livro do século V A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, que menciona um dente gigante encontrado em Cartago (atualmente na Tunísia), um esqueleto humano descoberto em uma caverna em Trapani (na atual Itália) que teria quase 91 metros de comprimento, e esqueletos de 3,5 metros vistos durante uma expedição de 1615 à Patagônia, na América do Sul, liderada pelo navegador holandês Willem Cornelisz Schouten — uma região rica em fósseis até hoje.
Muitos ossos incomuns acabaram nas mãos de igrejas e catedrais. Um exemplo é o fêmur preservado na igreja de Crociferi, em Veneza, Itália, no século XVIII, e um dente gigante, dito pertencer a São Cristóvão, mantido em Vercelli, Itália. A maioria dos espécimes descritos nesses textos foi irremediavelmente perdida, de acordo com Romano. Contudo, há uma exceção: um osso de perna de mamute encontrado em Viena, em 1443, durante a construção da Catedral de Santo Estêvão. Esse osso foi esculpido e preservado na igreja como uma relíquia de um gigante que, supostamente, morreu no Grande Dilúvio. Eventualmente, o fóssil foi levado para a Universidade de Viena, onde permanece até hoje.
Entre as histórias mais intrigantes encontradas pelos pesquisadores está o mito do gigante Aimon, que remonta ao ano 1240. Aimon teria vivido em Wilten, na Áustria, e derrotado um dragão que guardava um tesouro. A batalha teria manchado o solo com o sangue do dragão, que, segundo relatos, escorria da terra como uma substância escura (na verdade, o “líquido” era um alcatrão mineral encontrado nas rochas da região, conforme explicou Romano). Aimon teria cortado a língua do dragão como um troféu, e essa “língua” foi guardada no mosteiro de Wilten.
Na realidade, tratava-se do nariz de um espadarte, revelou Romano. O mito do dragão permaneceu forte até pelo menos o século XVII, quando o abade do mosteiro ordenou escavações para procurar pelos ossos de Aimon.
“A parte engraçada da história é que as escavações não levaram a nenhuma descoberta, mas causaram o colapso de toda a igreja”, disse Romano. Oops!
Ossos Desmentidos
Embora os pesquisadores tenham focado principalmente em textos italianos, mitos de gigantes aparecem em todo o mundo, escreveram Romano e Avanzini. Mitologias da América Central e do Sul incluem histórias de gigantes exterminados por Deus devido à sua maldade, enquanto os mitos japoneses falam de semideuses gigantes que lutaram contra dragões.
Ainda não está completamente claro se os fósseis foram a origem de todos esses mitos, explicou Romano, ou se as pessoas usaram os ossos como provas para histórias que já haviam criado. No caso do ciclope, Romano acredita que os fósseis vieram primeiro, e a história surgiu em seguida. Em outros casos, as pessoas podem ter imaginado os gigantes antes ou se inspirado em casos reais de gigantismo em humanos, causados por distúrbios genéticos.
No entanto, nos séculos XVII e XVIII, os avanços na anatomia cortaram a ligação entre fósseis e gigantes. Ciampini realizou seu estudo do crânio de “ciclope” em 1688. Já em 1728, o médico britânico Sir Hans Sloane desmentiu o mito dos gigantes ao demonstrar que os ossos atribuídos a uma antiga raça de humanos gigantes eram, na verdade, de baleias ou elefantes. Em seus estudos, Sloane também antecipou o desenvolvimento da anatomia comparativa, ao incentivar os naturalistas a examinarem os ossos “com maior precisão” e a estudarem como os esqueletos de humanos, animais e fósseis se comparam em tamanho e forma.
Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.livescience.com/59837-how-real-fossils-inspired-giant-myths.html
André Pimenta é um apaixonado por mitologia, folclore e histórias e estórias fantásticas. Contribuidor dedicado do Portal dos Mitos. Com uma abordagem detalhista, ele explora e compartilha os mistérios das lendas sobre seres e criaturas fantásticas do Brasil e do mundo.