Condições Médicas Reais que Podem Ter Inspirado Mitos de Vampiros e Lobisomens

Ao longo da história, superstições deram origem a diagnósticos improváveis para condições médicas assustadoras. Com o passar do tempo, a ciência trouxe explicações mais racionais para esses fenômenos.

A Base Real dos Mitos

Por mais improváveis que certos mitos e lendas possam parecer, muitos deles possuem raízes na realidade. Eventos como enchentes devastadoras, presentes em diversas narrativas religiosas ao redor do mundo, levaram historiadores a supor que tais histórias possam ter sido inspiradas em um aumento real do nível do mar, ocorrido após o Último Máximo Glacial.

De forma semelhante, acredita-se que criaturas folclóricas como vampiros e lobisomens não surgiram apenas da imaginação de contadores de histórias, mas sim de doenças e condições médicas reais. Em épocas em que o conhecimento científico humano era limitado, essas doenças despertavam a imaginação de nossos antepassados, resultando em lendas de monstros que ainda conhecemos e tememos hoje.

As Caças aos Vampiros

A visão moderna de vampiros é fortemente influenciada por Drácula, personagem do romance de Bram Stoker, publicado em 1897. No entanto, a origem desses seres sugadores de sangue é muito anterior à publicação dessa obra icônica. O conceito de vampiro chamou a atenção de estudiosos da Europa Ocidental pela primeira vez em 1718, quando a Áustria tomou controle da Sérvia.

Com a ocupação da nova região, os administradores austríacos observaram que as comunidades locais marcavam indivíduos suspeitos como “vampiros”. Assim como nas caças às bruxas na América colonial, essas pessoas eram frequentemente condenadas à morte, e seus corpos eram exumados em busca de sinais de “magia negra”.

No livro Vampires, Burial and Death, Paul Barber argumenta que o conceito de vampiros surgiu da incapacidade de explicar as variações na velocidade com que os corpos humanos se decompõem. Hoje, entendemos que essas diferenças são causadas por fatores como temperatura e composição do solo. Na Idade Média e nos séculos que se seguiram, a bruxaria preenchia essa lacuna de conhecimento.

O Caso de Mercy Brown

Um exemplo curioso é o caso de Mercy Brown, moradora de Rhode Island. Após falecer de tuberculose no final do século XIX, seu corpo foi colocado em um túmulo acima do solo. Quando, após um rigoroso inverno, seus restos mortais ainda não haviam se decomposto, ela foi declarada uma vampira e culpada pela misteriosa doença (sim, a própria tuberculose) que afligia seus familiares sobreviventes.

Vampirismo e Distúrbios Sanguíneos

Os vampiros possuem diversas características distintas, cada uma delas associada a uma doença real. Segundo o folclore, vampiros são criaturas noturnas, cujos poderes sobrenaturais enfraquecem ao serem expostos ao sol. Essa descrição pode ter sido inspirada por condições médicas que causam fotossensibilidade.

Uma dessas condições é o lúpus, uma doença autoimune em que as células de defesa atacam os próprios órgãos e tecidos do corpo. De acordo com a WebMD, cerca de dois terços dos pacientes com lúpus são sensíveis à radiação ultravioleta, e seus sintomas pioram quando expostos ao sol ou, em casos extremos, até mesmo à luz artificial.

Porém, o lúpus não é a única causa de fotossensibilidade. Especialistas também apontam para a porfiria como uma possível origem do mito dos vampiros. Segundo pesquisas, pessoas com porfiria – um grupo de distúrbios sanguíneos caracterizados pelo acúmulo anormal de substâncias químicas que produzem hemoglobina – apresentam fotossensibilidade que pode ser “retardada e com formação de bolhas” ou “imediata e dolorosa”.

É fácil entender como, no passado, pessoas afetadas pela porfiria poderiam ser vistas como vampiros. Para evitar agravar a condição, os pacientes tentavam evitar ao máximo a exposição ao sol. Até pouco tempo atrás, a prática de retirar sangue – o que diminui os níveis de ferro e porfirinas no corpo – era um método comum de tratamento para essa condição.

Lobisomens: Doença ou Delírio?

Assim como os vampiros, os lobisomens são monstros icônicos do folclore europeu. A lenda descreve um ser humano que, por alguma maldição ou aflição, se transforma temporariamente em um homem-lobo selvagem e sedento de sangue ao ver a lua cheia. O termo “lobisomem” deriva de “werwulf”, uma expressão em inglês antigo que combina as palavras “homem” e “lobo”.

Hoje, os lobisomens são criaturas da imaginação. No passado, eram considerados reais e caçados por comunidades supersticiosas. Um caso notório foi o do assassino em série alemão Peter Stumpp, que foi executado em 1589 acusado de ser um lobisomem. Os julgamentos de lobisomens continuaram até o século XVIII, com os últimos registros ocorrendo no sul da Áustria.

Embora o conceito moderno de lobisomem tenha suas raízes no norte da Europa, descrições de pessoas com qualidades semelhantes a lobos datam da antiguidade. O médico grego Galeno, que viveu entre 129 e 216 d.C., descreveu um paciente com a aparência e o apetite de um lobo. Foi a partir dessas descrições que surgiu o termo “licantropia clínica”, que designa o delírio de alguém que acredita ser capaz de se transformar em um animal.

A Licantropia como Ilusão

Diferente do vampirismo, que quase sempre era “diagnosticado” por acusação de terceiros, a licantropia muitas vezes era assumida pelo próprio indivíduo afetado. No final do século XVI, o político inglês Reginald Scot argumentou contra as crenças da época. Para ele, a licantropia não era uma doença física, mas sim um transtorno mental – uma ilusão.

Transmissão Através de Mordidas

Nos últimos tempos, historiadores buscaram condições médicas que pudessem explicar o surgimento do mito do lobisomem. Em 1963, o médico Lee Illis rastreou as origens dos lobisomens até a mesma fonte que deu origem ao mito dos vampiros. Em seu artigo, Sobre Porfiria e a Etiologia dos Lobisomens, Illis destacou os distúrbios sanguíneos, mencionados anteriormente, como uma explicação plausível para essas lendas.

Dado que lobisomens e vampiros compartilham muitas características, essa teoria não deveria surpreender tanto. Afinal, ambos os monstros são noturnos e possuem uma sede de sangue. Illis apontou a porfiria congênita, que se manifesta por meio de fotossensibilidade, dentes avermelhados e psicose, como a explicação médica mais convincente para o fenômeno mitológico dos lobisomens.

No entanto, o argumento de Illis não passou sem críticas. Em seu livro de 1979, A Ilusão do Lobisomem, o sociólogo cultural Ian Woodward argumentou que os sintomas físicos da porfiria congênita são sutis demais para explicar as características visuais dos lobisomens, que em praticamente todas as lendas se assemelham mais a lobos reais do que a seres humanos.

A Alternativa de Woodward: Raiva

Woodward apresentou uma condição médica mais alarmante como alternativa: a raiva. Essa doença, quase sempre contraída através de mordidas de animais, é vista como uma ponte entre o mundo humano e o natural. Além disso, os sintomas da raiva – saliva em excesso, espasmos musculares e transmissão por mordidas – se assemelham fortemente às descrições presentes nas lendas dos lobisomens.

Do Mito à Medicina

Vampiros e lobisomens não são as únicas criaturas mitológicas que podem ter surgido a partir de um mal-entendido sobre doenças e condições médicas reais. O conceito de zumbi – um ser morto-vivo que transmite sua aflição mortal através do contato físico – pode ter sido inspirado nos leprosos, que, durante grande parte da história, foram isolados em locais distantes para evitar o contágio de suas comunidades.

A Relação Entre Mito e Medicina

A relação entre o mito e a medicina não deve ser subestimada. Durante grande parte da história, as superstições dificultaram o avanço da ciência moderna. Em vez de mitologizar doenças misteriosas e demonizar aqueles que sofrem com elas, as instituições médicas hoje se esforçam para informar e educar seus pacientes e as comunidades em que estão inseridos. Quanto mais compreendemos como uma doença específica funciona e sua origem, mais evitamos a criação de novos “monstros” e podemos promover um entendimento mais humano e científico sobre essas condições.

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.discovermagazine.com/health/real-medical-conditions-that-may-have-inspired-vampire-and-werewolf-myths

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