Os dragões e serpentes do Oriente Médio são figuras lendárias que impressionam pela força, tamanho e simbolismo. Suas histórias permeiam as culturas da antiga Babilônia, Canaã, Egito, Irã e Hebreus, cada uma oferecendo uma perspectiva única sobre essas criaturas míticas.
A História dos Dragões do Oriente Médio
Introdução
Os dragões e serpentes do Oriente Médio eram vistos como criaturas temíveis, de força extraordinária e aparência imponente. Essas figuras lendárias frequentemente combinavam traços de diferentes animais, como cabeças de leão, garras de águia e, em alguns casos, caudas de escorpião.
Muitos desses dragões eram descritos como criaturas marinhas, representando o poder destrutivo e imprevisível da natureza, além da ameaça do caos. Com o passar do tempo, esse simbolismo evoluiu: eles deixaram de ser apenas representantes da desordem e passaram a ser associados ao mal.
À medida que as religiões do Oriente Médio se expandiram e influenciaram as culturas europeias, a percepção de serpentes e dragões como símbolos do mal parece ter moldado a forma como o Ocidente passou a retratar essas criaturas em suas próprias narrativas.
Os Símbolos dos Dragões no Oriente Médio
Marduk e os Dragões Babilônicos
No Oriente Médio, muitos dragões eram associados ao deus Marduk, a divindade suprema da religião babilônica e assíria. Originalmente venerado pelos amoritas como o deus das tempestades, Marduk tornou-se o protetor da cidade da Babilônia. O dragão sagrado de Marduk tinha características únicas: cabeça e cauda de serpente, corpo e patas dianteiras de leão e patas traseiras de falcão, além de uma língua bifurcada.
Essa representação icônica de Marduk adornava o monumental Portão de Ishtar, um marco da rota cerimonial da Babilônia. Construído durante o reinado de Nabucodonosor, o portão simbolizava poder e divindade. Próximo ao portão, a Via Processional era ladeada por fileiras de leões sagrados, dedicados a Ishtar, a deusa do amor e da fertilidade.
Além disso, as lendas mais marcantes dos dragões envolvem heróis — humanos ou imortais — que derrotavam essas criaturas ameaçadoras. Ao destruir os monstros, esses heróis restauravam a ordem e protegiam a civilização, perpetuando o equilíbrio entre o caos e a estabilidade.
Draco e as Estrelas
Dragões também serviram como símbolos para constelações mapeadas pelos astrônomos árabes. Esses seres cósmicos representavam batalhas épicas, muito além do alcance humano. Um exemplo notável é o confronto entre o herói persa Feridun e o poderoso dragão Azhi Dahaka. Quando Feridun apunhalou o dragão, criaturas como serpentes, sapos e escorpiões emergiram de seu corpo. Incapaz de destruí-lo completamente, Feridun optou por aprisioná-lo no Monte Demavend.
A constelação Draco possui raízes nas lendas sumérias e babilônicas, que remontam a mais de 5.000 anos na região dos rios Tigre e Eufrates. Em sua forma mitológica, Draco representa os 42 juízes celestiais, liderados por Osíris e seus assistentes, como Thoth, com cabeça de íbis, e Anúbis, com cabeça de chacal.
O “Cabeça de Draco” era visto como o Salão da Justiça, e suas quatro estrelas principais — Rastaban, Eltanin, Grumium e Kuma — simbolizavam os quatro filhos incorruptíveis de Hórus: Imsety, Hapi, Duamutef e Kebehsenuf. Esses guardiões protegiam o Alto Egito. Curiosamente, no mês de julho, quando o Nilo subia, a cabeça de Draco se erguia no céu à meia-noite, simbolizando vigilância e proteção.
Dragões Famosos do Oriente Médio
As lendas do Oriente Médio são ricas em histórias fascinantes sobre dragões, cada um com características únicas e simbolismos profundos. Desde os poderosos dragões babilônicos até as criaturas míticas dos hebreus e cananeus, esses seres lendários continuam a cativar a imaginação humana.
Dragões Babilônicos Famosos
Apsu – O Pai Primordial
Apsu era o deus-serpente das águas doces, considerado o pai primordial do universo. Ele simbolizava a felicidade e a abundância na Terra, além de ser a fonte de sabedoria e conhecimento. A união de Apsu com Tiamat, a deusa das águas salgadas, deu origem aos grandes deuses e deusas da Babilônia. Ambos representam o caos que precede a criação, a base sobre a qual a civilização se constrói.
Entretanto, Apsu começou a se incomodar com o tumulto causado pelos jovens deuses e, junto com Tiamat, planejou destruí-los. No entanto, o deus Ea o derrotou, o que levou Tiamat a buscar vingança, marcando o início de uma das lendas mais épicas da mitologia babilônica.
Tiamat – A Deusa Dragão dos Oceanos
Tiamat era a personificação das águas salgadas e da força bruta do universo antes da criação. Representada como uma dragonesa feroz, Tiamat travou uma batalha mítica contra Marduk, filho do deus Ea. Com astúcia, Marduk a capturou em uma rede e a derrotou com uma flecha, dividindo seu corpo em duas partes: uma formou o céu, e a outra, o fundo do oceano. Seus olhos tornaram-se as nascentes dos rios Tigre e Eufrates, enquanto sua cauda formou a Via Láctea.
Marduk também destruiu o exército de monstros de Tiamat e matou seu filho Kingu, usando seu sangue para criar a humanidade. Esse ato consolidou Marduk como o deus supremo da Babilônia, acumulando 50 títulos e absorvendo a essência de todos os outros deuses.
Zu (ou Anzu) – O Pássaro Tempestuoso
Zu, também conhecido como Anzu, era um deus menor maligno, descrito como uma ave de tempestade ou demônio alado. Ele roubou as Tábuas do Destino de Enlil, que regulavam a ordem no universo, levando-as para sua montanha. Marduk conseguiu recuperar as tábuas, impedindo o retorno ao caos primordial. Em algumas versões, Ninurta, o filho de Enlil e deus da guerra, foi o responsável por derrotar Zu e restaurar a harmonia no cosmos.
Dragões Cananeus e Hebreus Famosos
Illuyankas – O Dragão Hittita
Illuyankas era um dragão associado à mitologia hitita, considerado a versão da “Serpente do Mundo”. Ele derrotou o deus da tempestade Taru, roubando-lhe os olhos e o coração. Em uma das versões da lenda, Taru organizou um banquete para Illuyankas e seus filhos, embriagando-os antes de atacá-los com outros deuses, garantindo sua vitória. Outra narrativa descreve Taru recuperando seus olhos e coração ao casar seu filho com a filha de Illuyankas, o que levou à derrota do dragão. Esse mito era recitado no Ano Novo hitita e simbolizava a renovação da terra.
Yam-nahar – O Dragão Cananeu do Mar
Yam-nahar, também chamado de Yam ou Lotan, era um dragão marinho de sete cabeças, similar ao Leviatã das tradições hebraicas. Ele foi derrotado pelo jovem deus Baal, que usou armas mágicas para matá-lo. Após sua vitória, Baal foi coroado rei pelo deus supremo El. Essa história simboliza a conquista das forças caóticas da natureza pelo poder civilizador, garantindo a fertilidade e a prosperidade das colheitas.
A Serpente do Jardim do Éden
A serpente no Jardim do Éden é frequentemente associada a Lilith, a primeira esposa de Adão segundo a tradição hebraica. Lilith, que se recusou a se submeter a Adão, foi retratada como uma mulher alada com corpo de serpente. Ela é considerada a tentadora de Eva e uma figura demoníaca que ameaça a humanidade, especialmente os recém-nascidos.
Dragões Famosos do Egito Antigo
A mitologia egípcia é rica em figuras simbólicas e, entre elas, destacam-se dragões e serpentes com papéis fundamentais na ordem cósmica, na proteção e na renovação da vida. Esses seres míticos desempenhavam funções que iam desde o suporte à luz e à vida até o simbolismo do eterno ciclo de criação e destruição.
Aker – O Guardião do Horizonte
Aker era um dragão associado à Terra e ao encontro dos horizontes oriental e ocidental no Submundo. Ele desempenhava um papel crucial ao conter as forças caóticas de Apep, a grande serpente inimiga de Ra. Ao prender e acorrentar Apep, Aker ajudava as forças da luz, permitindo que Ra continuasse sua jornada pelo Submundo durante a noite.
Apep (ou Apophis) – O Grande Serpente do Caos
Apep era uma serpente colossal e aterrorizante, considerada a inimiga eterna do deus-sol Ra. No Submundo, Apep aguardava para emboscar a barcaça de Ra durante sua jornada noturna, tentando impedir que o sol surgisse novamente. Eclipses solares eram atribuídos à vitória temporária de Apep ao engolir a embarcação. No entanto, Apep nunca conseguiu derrotar Ra completamente. O céu avermelhado do crepúsculo era visto como um sinal da vitória de Ra sobre Apep.
Ankh-neteru – O Transformador
Ankh-neteru era um deus-serpente por onde o barco de Afu Ra, o deus-sol, era puxado por doze divindades. O barco entrava pelo rabo de Ankh-neteru e saía pela sua boca, transformando Afu Ra em Khepera, o antigo deus associado à criação do mundo. Essa transformação simbolizava o ciclo de renovação e a continuidade da vida.
Denwen – A Serpente de Fogo
Denwen, descrito como uma serpente flamejante, aparece em textos do terceiro milênio a.C. Ele tinha o poder de causar um incêndio capaz de destruir todos os deuses, mas foi derrotado por um rei egípcio, preservando a ordem e a existência divina.
Nehebkau – O Guardião do Submundo
Nehebkau era uma serpente com braços e pernas humanas, serva de Ra. Ele era considerado a base sobre a qual o mundo repousava e frequentemente representado segurando o Olho de Hórus. Além de proteger a entrada do Submundo, Nehebkau acompanhava Ra em sua jornada noturna, ajudando a manter a ordem cósmica.
Ouroboros – O Ciclo Eterno
Ouroboros, conhecido como o “comedor de cauda”, é um dragão-serpente que mantém sua cauda na boca, simbolizando o eterno ciclo de renovação. Ele apareceu no Egito já em 1600 a.C., sendo venerado como Sata ou Tuat, e estava associado ao ciclo de destruição e criação, além da jornada de Ra pelo Submundo. Essa imagem do ciclo infinito também foi adotada por outras culturas, como a mitologia nórdica, onde aparece como Jormungand.
Uraeus – O Símbolo de Soberania
Uraeus, a imagem da cobra-real, era usado nos ornamentos reais egípcios como símbolo de autoridade e proteção. Os egípcios acreditavam que a cobra poderia cuspir fogo contra inimigos que ameaçassem o faraó ou a nação.
Wadjet – A Guardiã do Nilo
Wadjet era a deusa-cobra enviada por Osíris para proteger o faraó e controlar o rio Nilo. Patronesse do Baixo Egito, Wadjet era representada como uma mulher com cabeça de cobra ou uma cobra pronta para atacar. Sempre vista como uma protetora do Egito, ela fazia parte dos mitos de Osíris, simbolizando a força e a vigilância contra os inimigos da nação.
Dragões Famosos do Irã
Na mitologia iraniana, os dragões são retratados como seres poderosos e muitas vezes malignos, simbolizando forças de caos e destruição. Suas histórias destacam heróis corajosos que enfrentam esses monstros em batalhas épicas, refletindo a luta contínua entre a luz e as trevas, a ordem e o caos.
Azhi Dahaka – O Dragão de Três Cabeças
Azhi Dahaka era um dragão monstruoso, descrito com três cabeças, seis olhos e três pares de presas. Algumas lendas o associam como um rei mítico da Babilônia, enquanto outras o veem como um destruidor de gado e homens. Eventualmente, ele passou a ser considerado a personificação da falsidade e um servo de Angra Mainyu, o princípio da escuridão.
A batalha mais famosa de Azhi Dahaka foi contra Atar, o deus do fogo. Essa luta sangrenta se estendeu por terra, mar e ar, até que o deus conseguiu capturar e acorrentar o dragão em uma montanha. No entanto, acreditava-se que Azhi Dahaka escaparia no fim do mundo, momento em que o herói Keresaspa finalmente o derrotaria.
Rustam e o Dragão
A história de Rustam e o dragão é um conto clássico extraído do Shahnameh, a épica obra persa compilada por Ferdowsi.
Rustam, um herói lendário, partiu com seu fiel cavalo Rakhsh em uma jornada para o Rio Mazanderan. Sua missão era resgatar o imprudente Rei Kai Kaus das garras de um exército de demônios. Na primeira noite da viagem, um leão atacou Rustam enquanto ele dormia, mas Rakhsh o salvou matando a fera. Ao acordar, Rustam agradeceu ao cavalo por salvar sua vida, mas o advertiu para acordá-lo na próxima vez, para que Rakhsh não se colocasse em perigo novamente.
Quando chegaram a um deserto, encontraram uma nascente para saciar a sede e descansar. Na calada da noite, o dragão guardião da nascente emergiu para atacar o herói e seu cavalo. Rakhsh despertou Rustam, que, ao se levantar, viu o dragão se esconder novamente. Irritado, Rustam repreendeu o cavalo por “alarmá-lo sem necessidade”. Essa sequência se repetiu, com o dragão aparecendo e desaparecendo, enquanto Rustam ficava mais frustrado.
Na terceira vez, o dragão esperou até estar muito próximo para atacar. Desta vez, Rakhsh despertou Rustam no último momento. Furioso, Rustam agarrou sua espada e enfrentou a criatura em combate direto, matando o dragão e garantindo sua sobrevivência e a continuidade da jornada.
Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.dragonsinn.net/middle-eastern-dragons/
André Pimenta é um apaixonado por mitologia, folclore e histórias e estórias fantásticas. Contribuidor dedicado do Portal dos Mitos. Com uma abordagem detalhista, ele explora e compartilha os mistérios das lendas sobre seres e criaturas fantásticas do Brasil e do mundo.