Dragões e Religiões: A Fascinação que Atravessa Séculos

O Apelo dos Dragões ao Longo da História

A série “House of the Dragon”, prequela de “Game of Thrones” da HBO, trouxe novamente à tona a fascinação pelos temíveis dragões. Com suas imensas asas, sopros de fogo e presenças imponentes, essas criaturas têm cativado o imaginário de pessoas ao redor do mundo. Seja com duas ou quatro patas, com escamas ou penas, os dragões continuam a encantar por seu poder lendário, e isso não é uma surpresa.

Muito antes da popularidade recente em produções como “Harry Potter” e “Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis”, dragões já tinham um papel importante em diversas religiões e culturas. Escavações arqueológicas revelaram artefatos antigos que destacam a relevância dessas criaturas para civilizações ancestrais, evidenciando seu impacto nos sistemas de crenças de diferentes povos ao longo do tempo.

Dragões como Símbolos Universais

Estudiosos que investigam monstros e seres mitológicos identificaram que o dragão é uma das criaturas mais amplamente representadas em diferentes civilizações. A ciência já tentou explicar a origem do mito dos dragões, mas a verdade é que a persistência dessas lendas parece estar mais ligada ao poder narrativo e ao mistério que essas criaturas representam. A presença contínua dos dragões na literatura, nas artes e nas crenças reflete o quanto esses seres místicos ainda provocam fascínio e inspiram a imaginação humana.

Dragões Antigos, Histórias Antigas

As lendas sobre dragões são encontradas em várias religiões e culturas ao redor do mundo. Em muitas dessas tradições, surge um tema comum, conhecido entre estudiosos como Chaoskampf, termo alemão que significa “luta contra o caos”. Esse conceito, amplamente discutido por mitologistas, descreve uma luta heroica onde um personagem enfrenta e derrota uma entidade primordial de caos – geralmente representada por uma criatura gigantesca e monstruosa com características de serpente ou dragão.

Um exemplo notável dessa luta contra o caos está no texto babilônico Enūma Eliš, uma narrativa de criação que data de cerca de 2.000 a 1.000 anos a.C. Nesse relato, Tiamat, a deusa primordial das águas salgadas e matriarca dos deuses, dá origem a onze tipos de monstros, incluindo os dragões. Embora Tiamat não seja explicitamente descrita como um “dragão”, alguns de seus descendentes – chamados de “monstros” no texto – possuem claramente traços draconianos. Com o tempo, as representações visuais de Tiamat evoluíram, passando a retratá-la com feições serpenteantes, estabelecendo uma conexão visual com o dragão, outro predador mítico de garras afiadas.

Dragões na Cultura Chinesa e Outras Tradições

Na China, o dragão – conhecido como Long – possui uma presença antiga e profunda, que permeia diversas tradições culturais, espirituais e sociais. Os dragões são figuras importantes no zodíaco chinês, sendo um dos animais sagrados que compõem os Quatro Animais Benevolentes. Além disso, eles eram símbolos de legitimidade para as dinastias imperiais. Na cosmologia chinesa antiga, esses seres aquáticos, inteligentes e semi-divinos ocupam uma hierarquia própria e estão presentes em mitos de criação de várias tradições indígenas.

Quando os missionários jesuítas reintroduziram o cristianismo na China, no século XVI, eles não contestaram a existência dos dragões. Em vez disso, associaram-nos a uma explicação ocidental, ligando-os à figura do Diabo. Apesar dessa visão, até hoje, os dragões são celebrados e reverenciados nas tradições budista, taoísta e confucionista como símbolos de força e iluminação espiritual.

Além da China, dragões também são encontrados em várias religiões e mitologias ao redor do mundo: nas crenças da Anatólia, nos mitos sumérios, nas sagas germânicas, no xintoísmo e até nas escrituras abraâmicas. A presença recorrente e importante dessa criatura nas religiões e culturas globais levanta uma questão intrigante: por que os dragões surgiram em tantas culturas diferentes?

O Poder Simbólico dos Dragões

Uma teoria amplamente discutida sugere que existem explicações naturais para a origem dos dragões. Isso não significa que essas criaturas míticas realmente existiram, mas sim que fósseis, animais vivos e até características geológicas presentes no mundo natural podem ter inspirado sua criação.

O cientista e autor vencedor do Prêmio Pulitzer, Carl Sagan, explorou essa ideia em seu livro, propondo que os dragões surgiram de uma necessidade humana de unir a ciência com o mito, o racional com o irracional, como uma resposta evolutiva a predadores reais. Sagan ampliou ideias que começaram no século XIX, ou antes, quando fósseis recém-descobertos começaram a ser associados às representações de dragões ao redor do mundo.

Restos fósseis completos ou parciais de várias espécies extintas podem explicar as características físicas dos dragões. Em 2020, as estudiosas DorothyBelle Poli e Lisa Stoneman propuseram que os fósseis da planta Lepidodendron, com uma aparência escamosa, poderiam estar por trás da presença global de dragões na imaginação humana.

Além disso, encontros com animais como lagartos voadores, peixes-remo, crocodilos, víboras-cornudas do Saara, grandes cobras e certas espécies de aves e répteis também foram sugeridos como possíveis inspirações para as lendas de dragões, devido às suas semelhanças físicas com essas criaturas mitológicas.

Processos geológicos naturais também foram propostos como explicações para as lendas de dragões, especialmente quando eles são associados a desastres naturais. Dragões que cospem fogo, por exemplo, poderiam ser uma tentativa de explicar incêndios misteriosos que observadores tentaram racionalizar como chamas de dragão. Vazamentos de gás natural, metano de matéria em decomposição e outros depósitos subterrâneos de gás podem produzir fogo se acesos acidentalmente. Antes da compreensão dos processos de combustão, tais eventos eram frequentemente considerados sinais da presença de um dragão, oferecendo uma explicação para o que parecia inexplicável.

Dragões Eternos

Uma das razões pelas quais os dragões continuam a povoar nosso imaginário é que eles representam o poder da natureza. Histórias sobre pessoas que domam dragões podem ser interpretadas como narrativas sobre a capacidade humana de controlar forças que muitas vezes escapam ao nosso domínio.

Dominar um dragão simboliza a ideia problemática de que os seres humanos são superiores a todos os outros animais na natureza. Os dragões desafiam o conceito de supremacia biológica humana, levantando questões sobre o que significaria se os humanos fossem obrigados a se verem como membros menos dominantes na cadeia alimentar.

Mas, mais do que isso, a beleza, o terror e a imponência dos dragões evocam mistério e nos lembram que nem todos os fenômenos são facilmente explicáveis ou compreensíveis. A presença dos dragões nas lendas e mitos serve para ilustrar que a natureza ainda guarda segredos e que a nossa curiosidade por desvendar esses mistérios é o que mantém viva a fascinante figura do dragão.

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://theconversation.com/terrifying-dragons-have-long-been-a-part-of-many-religions-and-there-is-a-reason-for-their-appeal-184419

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