Existem Criaturas Mitológicas que Nunca Foram Desmentidas?

Criaturas como o Pé Grande não são exatamente os mitos mais confiáveis.

De trilheiros modernos relatando encontros com macacos gigantes caminhando por florestas densas a marinheiros medievais narrando encontros com leviatãs ameaçadores que circundavam seus navios, as histórias de bestas desconhecidas têm intrigado a humanidade ao longo de gerações.

Embora muitas dessas criaturas misteriosas sejam vistas apenas como fruto da imaginação, surge a pergunta: será que alguma criatura mitológica nunca foi desmentida? A resposta curta é: sim, em certo sentido.

O Que Define uma Criatura Mitológica Não Desmentida?

Para explorar esse mistério, é necessário considerar a possibilidade real de criaturas ainda não descobertas que inspiraram mitos. Isso exclui alguns críptidos — seres cuja existência é apenas especulada — que já foram documentados pela ciência, mas declarados extintos, como o tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus).

Vale lembrar que desmentir a existência de uma criatura não é uma tarefa simples. Segundo o dicionário Merriam-Webster, “desmentir” significa expor uma farsa ou engano. No entanto, criaturas mitológicas não são necessariamente fraudes apenas porque não existem exatamente como descritas. Provar com 100% de certeza que algo não existe é quase impossível, já que não podemos examinar todos os cantos do mundo ao mesmo tempo.

No próximo tópico, exploraremos criaturas que, apesar de sua origem mítica, continuam a inspirar dúvidas sobre sua possível existência.

Criaturas Mitológicas e Sua Ligação com Locais Específicos

Muitas vezes, as criaturas mitológicas são associadas a um local específico. Um exemplo famoso é o Monstro do Lago Ness, na Escócia, que supostamente habita o lago que lhe dá nome. Isso permite que cientistas analisem as características do local para avaliar se é possível que uma criatura mítica realmente viva ali.

O Lago Ness é um lago oligotrófico, o que significa que ele é pobre em nutrientes e, portanto, improvável de sustentar uma grande espécie predadora desconhecida no topo da cadeia alimentar. Charles Paxton, ecólogo estatístico e aquático da Universidade de St Andrews, na Escócia, explicou à Live Science que, se o Monstro do Lago Ness realmente existir, provavelmente há pouquíssimos exemplares dessa criatura.

Investigando Lendas com Base na Ciência

Ao estudar o Monstro do Lago Ness e outras criaturas lendárias, Paxton foca nas evidências disponíveis, ao invés de procurar as criaturas diretamente. Com base no que ele analisou, Paxton não acredita na existência do monstro. Para ele, o foco como cientista está em explicar os fenômenos relatados de maneira equivocada.

Essas explicações podem variar desde aspectos da psicologia humana até erros na identificação de espécies conhecidas ou, em raros casos, a possibilidade de uma espécie ainda desconhecida.

Quantas Espécies Ainda Não Foram Descobertas?

A ciência está longe de documentar todas as espécies existentes na Terra. Um estudo de 2013 publicado na revista Science estimou que conhecemos cerca de 1,5 milhão de espécies vivas, de um total que pode variar entre 5 milhões a 8,7 milhões, segundo outras pesquisas. Além disso, um estudo de 2016 da Proceedings of the National Academy of Sciences sugere que há mais de um trilhão de espécies microbianas no planeta.

Quanto aos animais aquáticos, Paxton acredita que já identificamos quase todos os grandes animais que habitam as águas mais superficiais. No entanto, há uma pequena chance de existirem espécies ainda não descobertas, como as raras baleias-bicudas, que são animais de mergulho profundo e capazes de prender a respiração por mais de três horas.

Animais Terrestres: Potencial de Novas Descobertas

Em terra, a probabilidade de encontrar novas espécies é desigual. Um estudo de 2021 publicado na revista Nature Ecology & Evolution analisou esse potencial. Segundo o ecólogo Mario Moura, professor da Universidade Federal da Paraíba, animais grandes que vivem próximos a áreas habitadas por humanos têm muito menos chance de passar despercebidos. Por outro lado, espécies menores que habitam áreas remotas, como florestas tropicais, têm maior potencial de serem descobertas.

O estudo destacou que os répteis são o grupo de animais menos explorado e com maior potencial de novas descobertas em todo o mundo. Isso reforça a ideia de que há muito a ser aprendido sobre a biodiversidade terrestre, alimentando a imaginação sobre a existência de criaturas ainda desconhecidas que podem ter inspirado mitos ao longo da história.

Dragões e Outros Répteis Mitológicos

Entre os répteis mitológicos, os dragões são os mais famosos, mas sua lendária habilidade de cuspir fogo é frequentemente associada a representações medievais da boca do inferno, muitas vezes retratada como a boca de um monstro. Apesar da popularidade, há poucas evidências físicas que sustentem a existência de dragões reais.

Embora não existam provas concretas, os dragões possuem paralelos na natureza. Fósseis de dinossauros e outros animais extintos ajudaram a fortalecer essas histórias. Um exemplo é o crânio do extinto rinoceronte-lanudo (Coelodonta antiquitatis), do período Pleistoceno (2,6 milhões a 11.700 anos atrás). Em Klagenfurt, na Áustria, esse crânio foi mantido como se fosse de um “dragão” morto antes da fundação da cidade, por volta de 1250, segundo o Museu Americano de História Natural, em Nova York.

Bigfoot: Entre Lendas e Realidade

Nos Estados Unidos, o Pé Grande é uma das criaturas míticas mais mencionadas. Relatos descrevem um ser gigante e semelhante a um macaco, frequentemente avistado no noroeste do Pacífico, especialmente nos estados de Washington e Oregon. Curiosamente, esses estados também aparecem no estudo de Mario Moura como áreas com um pequeno potencial para novos mamíferos, mas é improvável que esses avistamentos estejam relacionados a um macaco peludo gigante. Moura acredita que essas alegações provavelmente envolvem animais pequenos e difíceis de encontrar, como roedores, musaranhos ou morcegos.

Embora as chances para o Pé Grande não sejam promissoras, isso não significa que primatas desconhecidos não possam existir. O exemplo mais recente é o Plecturocebus parecis, um macaco titi descoberto no Brasil em décadas recentes. Isso reforça a ideia de que há áreas com grande potencial para novas descobertas.

Hotspots de Descobertas Potenciais

Os pesquisadores identificaram quatro locais no mundo como pontos de maior probabilidade de abrigar espécies ainda não documentadas: Brasil, Indonésia, Madagascar e Colômbia. Esses países são ricos em biodiversidade, mas permanecem insuficientemente explorados. “A tarefa é imensa, e os recursos são escassos”, explicou Moura.

Orang Pendek: O Primata do Folclore Indonésio

Entre os mistérios primatas, o Orang Pendek, que significa “pessoa pequena” em indonésio, é um dos mais intrigantes. Esse primata bípede é supostamente encontrado na ilha de Sumatra, com relatos de avistamentos feitos por moradores locais, guias, colonos e até pesquisadores ocidentais. De acordo com o livro The Field Guide to Bigfoot and Other Mystery Primates (2006), o Orang Pendek tem as maiores chances de ser descoberto dentre os primatas míticos.

Sumatra já é o lar de orangotangos, grandes primatas que vivem no norte da ilha. No entanto, as áreas habitadas pelos orangotangos não parecem coincidir com as regiões onde o Orang Pendek supostamente vive, no centro de Sumatra. Isso levou especialistas, como Serge Wich, professor de biologia de primatas da Liverpool John Moores University, a sugerir que as histórias podem ser baseadas em orangotangos que viviam mais ao sul antes de seu habitat ser reduzido.

Apesar do fascínio em torno do Orang Pendek, Wich considera “notável” que ninguém tenha encontrado evidências concretas de sua existência, especialmente porque as florestas onde ele supostamente vive foram monitoradas com armadilhas fotográficas. “Para mim, isso indica que provavelmente ele não está lá”, concluiu o pesquisador.

O Testemunho de Jeremy Holden: Uma Visão Sobre o Orang Pendek

Uma das poucas pessoas que afirmam ter visto o Orang Pendek é Jeremy Holden, fotógrafo freelance de vida selvagem. Em outubro de 1994, enquanto explorava Sumatra, ele relata ter encontrado a criatura em uma floresta dentro do Parque Nacional de Kerinci Seblat, onde avistamentos do Orang Pendek haviam sido reportados.

Holden descreveu o encontro como um momento impressionante. “O animal passou a cerca de 7 metros de mim”, disse ele à Live Science. “Estava caminhando bipedalmente, com a cabeça virada como se estivesse ouvindo meu guia atrás de mim.” Segundo Holden, o ser tinha cerca de 1,5 metro de altura, era forte e coberto por pelos amarelos, semelhantes à cor de “grama morta”. Apesar de carregar uma câmera no pescoço, ele optou por não tirar uma foto, temendo que o clique pudesse chamar a atenção da criatura.

Embora a criatura tenha se assemelhado a um gibão em algumas características, Holden afirmou que não houve confusão: “Era claramente diferente, maior e mais robusto.” O medo e a emoção no momento impediram qualquer ação que pudesse comprometer sua segurança.

Projetos para Encontrar o Orang Pendek

O avistamento de 1994 motivou Holden a participar de um projeto de três anos, iniciado em 1995 e financiado pela organização britânica Fauna & Flora International (FFI), para buscar evidências do Orang Pendek. Ele trabalhou com a conservacionista Deborah Martyr, que também afirma ter visto a criatura. Durante o projeto, foram coletados relatos de testemunhas e tentativas foram feitas para fotografá-lo usando armadilhas fotográficas. Apesar dos esforços, o máximo que conseguiram foram moldes de pegadas que não correspondiam a nenhuma espécie conhecida de primata.

Entre 2005 e 2009, a National Geographic financiou outro projeto semelhante, também com o uso de armadilhas fotográficas. No entanto, nenhuma imagem do Orang Pendek foi registrada. Alex Schlegel, que participou dessa iniciativa e atualmente pesquisa inteligência artificial, expressou sua incerteza quanto à existência da criatura. Ele afirmou em um podcast em 2020: “Seria tão bizarro, ou mais, se ele não existisse do que se existisse. Minha experiência sugere que seria surpreendente se fosse apenas uma lenda.”

Holden e Suas Descobertas Paralelas

Mesmo após o término do projeto com a FFI, Holden continuou suas buscas esporádicas pelo Orang Pendek. Apesar de não ter conseguido fotografá-lo, ele realizou descobertas importantes para a ciência, incluindo a planta carnívora Nepenthes holdenii, encontrada no Camboja e batizada em sua homenagem. Ele também liderou equipes que capturaram imagens de espécies desconhecidas, como novos primatas.

Holden acredita que sua vasta experiência em documentar outras criaturas pode, ironicamente, servir como evidência indireta de que o Orang Pendek não existe, embora ele mantenha sua fé na criatura. Ele compara o caso do Orang Pendek ao do cuculo-terrestre-sumatranês (Carpococcyx viridis), uma ave criticamente ameaçada de extinção que passou mais de 90 anos sem ser vista até que um exemplar foi capturado em 1997. “Demorei de 1995 a 2015 para conseguir minha primeira foto do cuculo-terrestre-sumatranês”, disse ele. “Essas coisas acontecem. Mas entendo que quem não acredita em mim tem suas razões, porque tudo o que tenho é uma história.”

O Fascínio por Mistérios Não Resolvidos

O relato de Jeremy Holden e as iniciativas para encontrar o Orang Pendek ilustram como o desejo humano de desvendar o desconhecido persiste, mesmo diante de dificuldades e ceticismo. Seja uma criatura real ou apenas fruto da imaginação e do folclore, o Orang Pendek permanece como um símbolo de mistérios não resolvidos, alimentando tanto a ciência quanto a curiosidade de quem acredita que o mundo ainda tem muito a revelar.

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site:  https://www.livescience.com/mythological-creatures-that-havent-been-debunked

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