Fósseis Inspiraram o Mito do Ciclope?

Novas descobertas fósseis levantam a hipótese de que os mitos gregos podem ter sido influenciados por crânios antigos.

De Onde Vêm Nossos Piores Pesadelos?

Já se perguntou de onde surgem os medos mais profundos da humanidade? Para os antigos gregos, uma possível origem pode estar nos fósseis de gigantescos animais pré-históricos.

Na ilha grega de Creta, paleontologistas encontraram fósseis de um Deinotherium giganteum, que, traduzindo livremente, significa “besta terrível realmente enorme”. Esse parente distante dos elefantes modernos media impressionantes 4,6 metros de altura no ombro, com presas que atingiam 1,3 metro de comprimento. Era um dos maiores mamíferos que já caminharam sobre a Terra.

Segundo Charalampos Fassoulas, geólogo do Museu de História Natural da Universidade de Creta, “este é o primeiro achado do tipo em Creta e em toda a região do sul do Egeu. Também é a primeira vez que encontramos uma presa inteira desse animal na Grécia. Ainda não datamos os fósseis, mas os sedimentos onde estavam têm entre 8 e 9 milhões de anos.”

Uma Estranha Semelhança com o Ciclope

Os crânios de Deinotherium giganteum encontrados em outros locais revelam que essa criatura era ainda mais primitiva e massiva do que os elefantes atuais. O que chama mais atenção é a abertura nasal extremamente grande localizada no centro do crânio.

Para os paleontólogos, essa abertura era provavelmente o ponto de ligação para uma tromba pronunciada. No entanto, para os antigos gregos, esses crânios poderiam muito bem ter sido a origem das histórias assustadoras sobre o Ciclope, o gigante de um olho só da mitologia.

Explicando o Mundo Natural

No livro The First Fossil Hunters: Paleontology in Greek and Roman Times, Adrienne Mayor propõe que os gregos e romanos utilizavam fósseis – enormes ossos de espécies extintas – para dar suporte a mitos existentes ou criar novos.

Segundo Thomas Strasser, arqueólogo da California State University, Sacramento, “a ideia de que a mitologia explica o mundo natural é antiga. Nunca será possível testá-la de forma científica, mas os gregos antigos eram agricultores e certamente encontravam fósseis como esses e buscavam explicações. Sem o conceito de evolução, é natural que imaginassem gigantes, monstros, esfinges e outras criaturas fantásticas.”

O Ciclope na Mitologia Grega

Um dos exemplos mais famosos da mitologia grega envolvendo ciclopes aparece na Odisseia, de Homero. Na obra, o herói Odisseu encontra um grupo de ciclopes – gigantes pastores de um olho só e hábitos canibais – durante sua jornada de 10 anos para voltar para casa após a Guerra de Troia.

Na narrativa, Odisseu e sua tripulação visitam uma ilha para buscar suprimentos e são capturados por um dos ciclopes, que devora vários homens. Usando sua inteligência, Odisseu embriaga o gigante, cega-o e consegue escapar junto com os sobreviventes.

Outro mito descreve os ciclopes como filhos de Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Nesse contexto, eles aparecem como habilidosos ferreiros, responsáveis por criar os relâmpagos de Zeus, o tridente de Poseidon e outros artefatos divinos.

Fósseis e os Mitos

Strasser destaca que Adrienne Mayor apresenta uma argumentação convincente ao conectar as origens dos mitos a locais ricos em fósseis. “Ela também observa que, em alguns mitos, monstros surgem do solo após grandes tempestades. Isso faz sentido, já que as chuvas poderiam causar erosão, revelando ossos enterrados,” acrescenta o arqueólogo.

Essa relação entre fenômenos naturais e imaginação coletiva ajuda a entender como os antigos transformaram o desconhecido em narrativas repletas de significados e ensinamentos.

Peregrinando Pela Terra

Parente distante dos elefantes modernos, os deinotérios vagaram pela Europa, Ásia e África durante o Mioceno (23 a 5 milhões de anos atrás) e o Plioceno (5 a 1,8 milhão de anos atrás), antes de serem extintos.

A descoberta de fósseis em Creta sugere que esses gigantes percorreram áreas mais amplas da Europa do que se imaginava. Charalampos Fassoulas, responsável pela divisão de paleontologia do Museu de História Natural da Universidade de Creta, supervisionou a escavação e acredita que esses mamíferos chegaram à ilha cruzando o Mar Egeu em períodos de nível do mar mais baixo.

“Cremos que esses animais vieram da Turquia, passando pelas ilhas de Rodes e Karpathos, até alcançar Creta”, explicou Fassoulas. Ele também ressaltou que muitos herbívoros, como os elefantes atuais, são nadadores extremamente fortes, o que teria facilitado essa jornada.

Características Únicas do Deinotherium

Ao contrário dos elefantes modernos, as presas dos Deinotherium giganteum cresciam a partir da mandíbula inferior, curvando-se para baixo e ligeiramente para trás, em vez de se projetarem para frente e para cima. Marcas de desgaste nas presas sugerem que eram usadas para descascar árvores e, possivelmente, para desenterrar plantas.

“Sabemos, a partir de estudos no norte e leste da Europa, que esse animal vivia em ambientes florestais”, afirmou Fassoulas. Ele destacou que as presas orientadas para o solo ajudavam o animal a cavar, manipular galhos e arbustos e, de maneira geral, obter alimento em um ecossistema florestal.

Uma Descoberta Por Acaso

Os fósseis foram descobertos durante a preparação de um terreno para o plantio de oliveiras. Desde então, Fassoulas tem incentivado os agricultores locais a ficarem atentos a possíveis novos achados enquanto trabalham na terra.

Essas descobertas não apenas ampliam nosso entendimento sobre a distribuição geográfica dos deinotérios, mas também reforçam como a interação entre humanos e fósseis pode ter dado origem a mitos que perduram até hoje. Afinal, os fósseis encontrados em terras agrícolas podem ser as pistas para as histórias que moldaram culturas e civilizações inteiras.

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.nationalgeographic.com/science/article/news-deinotherium-fossils-crete-mythology-paleontology

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