Evidências históricas estão ajudando a identificar com precisão locais lendários, desde o castelo do Rei Arthur até o Templo de Salomão.
A história da humanidade é permeada por terras míticas. Desde os lares de reis lendários até as moradas terrestres de deuses e monstros, as civilizações sempre sonharam com lugares extraordinários, escondidos à vista de todos.
Embora seja improvável que Atlantis ou Shangri-La tenham realmente existido, alguns mitos podem conter mais verdade do que se pensava. Pesquisas arqueológicas sugerem que certos lugares — como o labirinto do Minotauro da mitologia grega, Vinland (o primeiro assentamento Viking mencionado nas sagas nórdicas), o Templo de Salomão descrito na Bíblia, entre outros — podem ser mais do que simples histórias.
De regiões da Turquia até Jerusalém, das costas da Inglaterra até os Andes colombianos, há indícios de que esses nove lugares lendários podem ter sido reais.
1. Troia, Turquia
Troia, a cidade que é o coração das famosas epopeias Ilíada de Homero e Eneida de Virgílio, é um dos locais mais lendários da mitologia grega. Embora as histórias estejam repletas de detalhes fantásticos — como a interferência dos deuses na Guerra de Troia, a herança semidivina de Aquiles e o famoso presente do cavalo de madeira — os arqueólogos acreditam que há verdade por trás de alguns desses elementos.
Rüstem Aslan, diretor das escavações em Troia na atual Turquia, acredita que a Guerra de Troia foi um evento histórico, embora não da forma exata que Homero descreveu. Escavações realizadas por quase 150 anos no local revelaram que a cidade foi ocupada por mais de 4.000 anos. Durante a Idade do Bronze Tardio, época em que supostamente ocorreu a Guerra de Troia, os habitantes da cidade começaram a se preparar para uma invasão externa, segundo Aslan.
Embora os pesquisadores ainda não tenham encontrado provas definitivas da batalha que teria durado dez anos além das muralhas da cidade, Aslan acredita que os vestígios estão enterrados sob metros de sedimentos acumulados ao longo do rio Scamander (atualmente chamado de Karamenderes), que passa nas proximidades. Esse rio foi crucial para a importância de Troia, pois controlar o porto significava dominar as rotas do Mar Mediterrâneo e Egeu.
Além de Troia, outros sítios míticos mencionados na região foram descobertos nos registros arqueológicos, como o templo de Apollon Smintheion (dedicado ao deus Apolo e construído sobre um assentamento do século VI a.C.), a antiga cidade de Antandros, conhecida por sua construção naval, e as florestas sagradas do Monte Ida. Esses lugares, mencionados na Ilíada e na Eneida, fazem parte do que hoje é chamado de Rota de Eneias, uma trilha turística na Turquia que segue a jornada épica de Eneias, o pai de Roma, após a queda de Troia.
2. Caverna de Gorham (Caverna da Medusa), Gibraltar
Para os marinheiros antigos, a Caverna de Gorham, uma caverna natural na base dos Pilares de Hércules, no Estreito de Gibraltar, representava o limite do mundo conhecido. No entanto, um estudo de 2021, publicado na revista PLOS One, sugere que este local subterrâneo pode ter desempenhado um papel ainda mais importante na mitologia grega.
No interior da caverna, arqueólogos encontraram fragmentos de uma grande cabeça cerâmica representando uma Górgona, datada de aproximadamente o século VI a.C. As Górgonas eram três irmãs monstruosas que aterrorizavam marinheiros gregos, transformando-os em pedra com apenas um olhar. A lenda localiza o covil dessas criaturas próximo à Rocha de Gibraltar, onde o herói Perseu decapitou a mais temida das irmãs, Medusa, enquanto ela dormia.
Outras figuras de Medusa foram encontradas na região, mas esta é a primeira descoberta dentro de uma caverna. Combinando evidências arqueológicas com relatos históricos, geografia e mitos, pesquisadores concluíram que a Caverna de Gorham provavelmente era o local sagrado que os primeiros navegadores acreditavam ser o lar das Górgonas, e o local da derrota de Medusa.
Atualmente, é possível visitar a entrada da caverna em passeios quinzenais oferecidos no Complexo de Cavernas de Gorham, um Patrimônio Mundial da UNESCO, localizado em Gibraltar, uma deslumbrante formação calcária no extremo sul da Espanha.
3. Castelo de Tintagel (Castelo do Rei Arthur), Inglaterra
Desde que o escritor Geoffrey de Monmouth descreveu o Castelo de Tintagel como o local da concepção do Rei Arthur, essa dramática fortaleza do século XIII, na rochosa costa da Cornualha, Inglaterra, tem sido associada à lenda do famoso monarca. No entanto, até recentemente, ninguém sabia que, sob as ruínas do castelo, havia um assentamento ainda mais antigo, com características que poderiam estar ligadas à história do lendário rei.
De acordo com a arqueóloga Jacky Nowakowski, líder do Projeto de Pesquisa Arqueológica do Castelo de Tintagel, há evidências muito fortes de que o local foi um centro excepcional onde mercadorias de luxo chegavam em grande quantidade do mundo mediterrâneo. Embora a equipe de arqueólogos não possa afirmar com certeza quem governava o local naquela época, o perfil de Rei Arthur parece adequado ao que se esperaria nesse período crítico da história britânica, entre os séculos V e VI.
Mesmo que não se saiba ao certo se Arthur realmente esteve no local, Nowakowski acredita que ele “se tornou parte da história” transmitida por gerações em torno de Tintagel. Curiosamente, o castelo construído por Ricardo da Cornualha, por volta de 1203 d.C., foi parcialmente construído para estabelecer uma conexão entre sua autoridade e a lenda do rei. Além disso, o Castelo de Tintagel também está vinculado à lenda celta de Tristão e Isolda, uma história de amor proibido, na qual o cavaleiro Tristão se apaixona pela princesa Isolda, que estava prometida em casamento ao Rei Mark da Cornualha.
Em vários locais da Cornualha, é possível identificar lugares associados a essa história de amor, mas ela nunca esteve tão fortemente ligada a Tintagel quanto a lenda do Rei Arthur. Isso, segundo Nowakowski, deve-se em parte ao sucesso dos escritores e pintores vitorianos, que popularizaram a associação de Tintagel com as ruínas do castelo do Rei Arthur.
4. L’Anse Aux Meadows (Vinland), newfoundland
Por muitos anos, exploradores buscaram evidências de Vinland, um lugar distante, descrito na Saga dos Groenlandeses do século XIII, como cheio de prados verdejantes, salmões abundantes e uvas selvagens. Se a lenda fosse verdadeira, o local à beira-mar, brevemente colonizado pelo Viking Leif Erikson e sua tripulação por volta de 1000 d.C., seria o primeiro ponto descoberto por europeus no Novo Mundo, antecedendo Cristóvão Colombo em quase 500 anos.
Então, quando evidências de edifícios com paredes de grama, de estilo nórdico, na costa norte de Terra Nova, no Canadá, foram descobertas na década de 1960, os arqueólogos se animaram com a possibilidade de terem encontrado o local lendário.
A identificação de outros artefatos europeus, como um broche de bronze, um fuso e um fragmento dourado de latão, juntamente com um local para fundição de ferro, convenceram os estudiosos de que o sítio em que haviam tropeçado era o tão falado Vinland. Hoje, os arqueólogos continuam a explorar os segredos guardados no que agora é o Sítio Histórico Nacional de L’Anse aux Meadows, que inclui reconstruções das habitações originais onde os vikings viveram, de maneira intermitente, por cerca de 20 anos.
5. Lago Guatavita (El Dorado), Colômbia
Os conquistadores espanhóis foram os primeiros a descrever um reino mítico na América do Sul, de riquezas inimagináveis, governado por El Rey Dorado, um chefe cujos rituais de iniciação incluíam cobrir-se de pó de ouro e lançar tesouros no centro de um lago sagrado. Em 1541, os exploradores começaram a buscar avidamente o reino de “El Dorado” por toda a Colômbia, Venezuela, Guiana e Brasil, mas nunca conseguiram encontrá-lo. Com o tempo, desistiram da busca, acreditando que o reino não passava de uma lenda.
No entanto, Juan Pablo Quintero-Guzmán, arqueólogo e curador do Museu do Ouro da Colômbia, acredita que há uma base de verdade na história. “Todos os lagos no território Muisca eram locais de oferenda”, ele explica. “É possível que rituais semelhantes aos de El Dorado tenham sido realizados em alguns deles, mas acredito que o Lago Guatavita foi, durante o período Muisca [600 a 1600 d.C.], o local onde esse ritual teve maior impacto.”
Nos últimos 400 anos, inúmeros artefatos foram retirados do Lago Guatavita, incluindo peças de tumbaga (uma liga de ouro e cobre), esmeraldas, vasos de argila em forma humana, além de cabelos, algodão e crânios de animais. Em suas pesquisas, Quintero-Guzmán encontrou evidências de que rituais eram realizados à beira d’água, em um local que “poderia ter sido um templo, um sítio cerimonial destinado a oferendas prestigiadas”. Embora as descobertas não comprovem definitivamente que o Lago Guatavita foi o cenário descrito pelos conquistadores, também não contradizem a possibilidade de que a lendária cerimônia de El Dorado tenha ocorrido ali.
Por enquanto, o senhorio Muisca de Guatavita, conhecido por suas peregrinações cerimoniais e pela habilidade de seus ourives, é a origem mais provável do mito.
6. Ain Dara (Templo de Salomão), Síria
Em 2018, o conflito armado destruiu Ain Dara, um templo de 3.000 anos no noroeste da Síria, que alguns arqueólogos identificaram como o Templo de Salomão bíblico na década de 1980. O local antigo compartilhava várias características com o templo descrito no Livro dos Reis, mais do que qualquer outro sítio descoberto antes ou depois. Entre essas semelhanças estavam as paredes esculpidas com relevos de leões e querubins, um pátio pavimentado com lajes de pedra, uma escadaria monumental guardada por esfinges e um corredor de vários andares. Até mesmo sua localização, em uma plataforma elevada com vista para uma cidade, ecoava a descrição do templo na Bíblia.
Infelizmente, o bombardeio e o saque do local impedem que arqueólogos obtenham mais evidências de seu status lendário, mas alguns dos artefatos mais importantes ainda podem ser vistos no Museu Nacional de Alepo.
7. Kastelli (Labirinto do Minotauro), Grécia
Durante a construção de um novo aeroporto na ilha de Creta, no verão, os trabalhadores descobriram algo inesperado. O local, com seu edifício circular central cercado por oito anéis de pedra intersectados por muros, lembrava o estilo de túmulos construídos pela civilização minoica entre 2000 e 1700 a.C. Mas, para quem conhece a mitologia grega, o lugar evoca algo mais: o Labirinto do Minotauro.
O Minotauro, uma criatura feroz com cabeça de touro e corpo de homem, foi aprisionado em um labirinto construído pelo arquiteto grego Dédalo. A cada sete anos, Atenas sacrificava sete jovens e sete jovens mulheres para o monstro, até que Teseu, um príncipe da cidade, se ofereceu para matá-lo. Seguindo seu caminho com um novelo de linha, Teseu encontrou sua rota através do labirinto, matou a criatura, resgatou as vítimas que ainda não haviam sido sacrificadas e, em seguida, usou o fio para encontrar a saída em segurança.
Embora os arqueólogos ainda não tenham estudado Kastelli em profundidade, suas semelhanças arquitetônicas com o labirinto mítico, juntamente com evidências de oferendas cerimoniais e festas comunitárias encontradas no local, podem sugerir que ele fez parte da origem da história. O sítio ainda não está aberto ao público, mas o Palácio de Knossos, anteriormente acreditado ser o local do Labirinto do Minotauro, está.
8. Steinkjer, Noruega
As sagas nórdicas falam de um antigo centro comercial que, por um breve período, foi o maior do mundo viking, mas por muito tempo ninguém sabia onde esse lugar estava ou sequer se realmente existia. Isso mudou em 2013, quando arqueólogos encontraram algumas evidências intrigantes. Durante as investigações arqueológicas realizadas antes da expansão da principal rodovia da Noruega, perto de Steinkjer, no condado de Nord-Trøndelag, os pesquisadores desenterraram dois túmulos de barcos, associados a uma variedade de bens comerciais de alto status. Entre os itens encontrados estavam um botão de prata, uma balança de precisão, joias importadas e contas de âmbar.
Essas descobertas somam-se ao impressionante registro arqueológico da área, que inclui 22 exemplos de uma espada especial da era viking, ligada ao comércio. Esses artefatos, juntos, sugerem que Steinkjer foi a grande cidade comercial descrita nas sagas nórdicas, e que seu centro provavelmente se localizava onde a moderna igreja da cidade está hoje.
9. Piscina de Siloé, Jerusalém
No Evangelho de João, do Novo Testamento, Jesus devolve a visão a um homem cego na Piscina de Siloé, em Jerusalém. Cristãos procuraram por esse local durante séculos, até que em 2004, durante trabalhos de reparo em uma tubulação de água ao sul do Monte do Templo, duas antigas escadas de pedra foram reveladas.
Nas investigações arqueológicas que se seguiram, os pesquisadores descobriram uma piscina trapezoidal de 225 pés de comprimento, datada de 2.700 anos, que eles acreditam ser o local onde Jesus teria realizado seu milagre. Além de ser uma parte importante do sistema de água da antiga Jerusalém, a piscina também provavelmente servia como um banho ritual utilizado por peregrinos. Nos últimos 20 anos, cuidadosas escavações e trabalhos de restauração preservaram a antiga Piscina de Siloé, que foi aberta ao público no ano passado como parte do Parque Nacional da Cidade de David.
Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.smithsonianmag.com/travel/nine-mythical-places-archaeologists-think-may-have-actually-existed-180984996/
André Pimenta é um apaixonado por mitologia, folclore e histórias e estórias fantásticas. Contribuidor dedicado do Portal dos Mitos. Com uma abordagem detalhista, ele explora e compartilha os mistérios das lendas sobre seres e criaturas fantásticas do Brasil e do mundo.