O Ragnarök Romano: Como os Antigos Romanos Encaravam o Fim do Mundo?

Os romanos, curiosamente, parecem ter encarado o fim do mundo com surpreendente tranquilidade.

Enquanto os vikings falavam sobre o Ragnarök e os astecas previam um sol negro acompanhado da morte de Huitzilopochtli, outras culturas também projetavam seus próprios Apocalipses. Os zoroastrianos chamavam de Frashokereti, uma batalha épica seguida por rios de metal derretido espalhados pela Terra. Na tradição cristã, a destruição vem com secas, devastações e até mesmo imperadores romanos mortos se levantando dos túmulos.

Embora as versões variem, a essência é sempre a mesma: um dia, o mundo, tal como o conhecemos, acabará. Essas narrativas apocalípticas são tão antigas quanto a própria civilização humana e, infelizmente, continuam a ser comuns no pensamento moderno. Isso faz parecer que criar mitos sobre o fim dos tempos é quase uma necessidade psicológica do ser humano.

Mas as coisas não são tão simples quanto parecem. Nem todas as civilizações imaginaram um fim catastrófico para o mundo. Curiosamente, não é preciso buscar muito longe para encontrar exemplos disso.

Apesar de Roma Antiga ser lembrada como o berço de muitos dos pilares da sociedade ocidental moderna — e de ter acolhido o cristianismo com suas visões apocalípticas —, os romanos em si não tinham uma narrativa específica sobre o fim do mundo.

Segundo o professor Martin Goodman, especialista em Estudos Judaicos na Universidade de Oxford e autor do livro Rome and Jerusalem: The Clash of Ancient Civilizations (2007), o pensamento dominante entre os romanos era que a cidade e o império durariam para sempre. “Muitos textos honoríficos e epitáfios indicam que os romanos acreditavam que seus descendentes, ou pessoas ligadas a eles, leriam suas palavras séculos depois”, escreve Goodman.

O Fim de Roma: Quando a Preocupação Era Pessoal

Mais importante para os romanos, aparentemente focados em si mesmos, era o temor do fim de Roma em vez do fim do mundo. A própria lenda fundadora da cidade – a famosa história de Rômulo e Remo e sua mãe loba – trazia uma previsão de validade. De acordo com essa tradição, Roma existiria por apenas 120 anos antes de sua queda, uma profecia associada à visão de doze aves de rapina.

Claro que nem todos compartilhavam dessa visão imediatista. Alguns filósofos romanos, como os estóicos, acreditavam que o colapso poderia vir de uma catástrofe universal, capaz de destruir toda a existência. Mas, como muitas previsões específicas, essas ideias acabaram limitando-se a si mesmas.

“O tempo mostrou que, 120 anos após a fundação tradicional de Roma, as águias vistas por Rômulo não simbolizavam 120 anos de existência histórica para a cidade,” explica Peter J. Holliday, professor emérito de história da arte na California State University, Long Beach. Assim, a mentalidade romana aos poucos abandonou a ideia de uma destruição apocalíptica iminente e passou a conviver com uma ansiedade mais constante e discreta – uma preocupação com as ameaças contínuas enfrentadas tanto pela cidade quanto pelo império.

Apesar de a mitologia romana não apresentar um mito apocalíptico unificador, muitos pensadores refletiram sobre como seria o fim de tudo. Christopher Star, professor de clássicos no Middlebury College, destaca essa tradição em seu livro Apocalypse and Golden Age: The End of the World in Greek and Roman Thought (2021). “Há uma longa e subestimada tradição de pensamento grego e romano sobre o fim do mundo, que se estende desde Hesíodo até a literatura da época imperial,” observa o autor.

Filosofias e Reflexões: Pensando no Fim, Sem Apocalipses

Embora gregos e romanos refletissem sobre o fim do mundo, isso não significa que tivessem um mito apocalíptico nos moldes que conhecemos hoje. Como esclarece Christopher Star, “[A tradição] antecede e corre em paralelo com a tradição mais conhecida da literatura apocalíptica judaica e cristã.” No entanto, ele explica que “os textos gregos e romanos são, de muitas maneiras, bastante diferentes… [suas] narrativas fazem parte de debates maiores e de experimentos de pensamento sobre o futuro.”

Os pensadores romanos conheciam as ideias dos estóicos e de seus rivais, os epicuristas, ambos prevendo algum tipo de fim para o universo. Para os estóicos, o fim seria a ekpýrosis — um retorno do universo à sua forma primordial por meio de um fogo divino que tudo consumiria. Já os epicuristas tinham uma visão que soa curiosamente familiar para os tempos modernos: o universo, segundo eles, é composto por átomos, e um dia voltaria a ser apenas uma dispersão caótica de partículas indivisíveis flutuando no vazio.

Contudo, essas ideias não eram consideradas como verdades absolutas ou dogmas. Eram hipóteses abstratas, desconectadas das ações humanas e não recebiam tanta atenção. “Não há nenhum texto conhecido de um autor grego ou romano pagão inteiramente dedicado a descrever o fim do mundo,” aponta Star.

Uma comparação interessante pode ser feita com a maneira como lidamos, hoje, com a ideia da morte térmica do universo. Sim, sabemos que vai acontecer, mas não temos certeza de como, e não há nada que possamos fazer a respeito – então, por que se preocupar?

No final das contas, parece que o fim do mundo não era algo que os gregos e romanos levassem muito a sério. “Há evidências de que o fim do mundo se tornou algo como uma piada clichê entre gregos e romanos,” escreve Star. Um fragmento de uma tragédia grega desconhecida sobreviveu até hoje, e nele se lê: “Depois que eu estiver morto, que a terra se misture com o fogo. Não me importo comigo mesmo, pois meus assuntos estão em ordem.”

Este artigo foi desenvolvido com base no conteúdo do site: https://www.iflscience.com/the-roman-ragnarok-what-did-the-end-of-the-world-look-like-to-the-ancient-romans-68019

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